Após meses de vai e vem, o governo federal
lançou o programa que vai substituir o Bolsa Família. Ele foi batizado de Auxílio Brasil e apresentado
no formato de Medida Provisória ao Congresso. O texto entregue pelo presidente Jair Bolsonaro
ao presidente da Câmara tem uma série de lacunas –
não estabelece valores para os
benefícios, por exemplo -, mas dá um desenho geral do que vai ser um novo programa. Eu sou Camilla Veras Mota, da BBC News Brasil,
e nesse vídeo vou detalhar o que já se sabe sobre o novo Bolsa Família e aproveitar para
discutir toda a questão política que está por trás dele. Bom, o programa Auxílio Brasil tem 9 modalidades,
sendo que três formam seu “núcleo básico”,
digamos. São elas: Benefício Primeira Infância,
pago às famílias com crianças entre zero e 3 anos. Benefício Composição Familiar, um incremento
pago quando às famílias que têm jovens de até 21 anos (aqui uma diferença do Bolsa
Família, em que a idade máxima era de 17 anos). E, finalmente, o Benefício de Superação
da Extrema Pobreza, que vai ser um residual dado às famílias caso mesmo com os benefícios
anteriores a renda familiar per capita não supere a linha de pobreza extrema. E qual a linha de pobreza extrema? Pois é, a MP não detalha esse valor, nem
o da linha de pobreza, diz que eles vão ser definidos pelo Executivo federal. Assim, a gente não sabe exatamente quem vai
ser elegível ao novo programa. Segundo o regulamento, os benefícios vão
ser pagos às famílias em situação de pobreza e extrema pobreza. Como isso funciona hoje? Uma família com renda inferior a R$ 89 por
pessoa por mês é considerada na extrema pobreza. Para a pobreza, a linha da renda per capita
vai de R$ 89 a R$ 178. Bom, existem ainda outros 6 benefícios adicionais
previstos no programa. São eles:
A Bolsa de Iniciação Científica Júnior, 12 parcelas mensais pagas a estudantes com
bom desempenho em competições acadêmicas e que sejam beneficiários do Auxílio Brasil;
Auxílio Esporte Escolar, destinado a estudantes entre 12 e 17 anos que sejam membros de famílias
beneficiárias e que se destacarem nos Jogos Escolares Brasileiros
Auxílio Criança Cidadã, benefício pago aos chefes de família que consigam emprego
e não encontrem vagas em creches para deixar os filhos de até 4 anos
Auxílio Inclusão Produtiva Rural, pago por até 36 meses aos agricultores familiares
inscritos no Cadastro Único; Auxílio Inclusão Produtiva Urbana, para
beneficiários do Auxílio Brasil que comprovem que têm emprego com carteira assinada;
E, finalmente, Benefício Compensatório de Transição, pago aos atuais beneficiários
do Bolsa Família que eventualmente perderem parte do valor recebido por conta das mudanças
trazidas pelo Auxílio Brasil. A Medida Provisória, como eu comentei, não
traz os valores dos benefícios. Isso deve ser definido em setembro, segundo
o ministro da Cidadania, João Roma. Os primeiros pagamentos aconteceriam em novembro,
caso a medida seja aprovada no Congresso. O presidente Bolsonaro adiantou que ele seria
pelo menos 50% maior do que o valor pago pelo Bolsa Família, que hoje é mais ou menos
R$ 190. Caso o aumento fosse cravado de 50%, o benefício
subiria para algo em torno de R$ 285, dentro da margem que a equipe econômica vem defendendo
para manter o equilíbrio das contas públicas, de até R$ 300. A ala política do governo, conforme noticiado
nas últimas semanas, quer um valor maior, mais perto de R$ 400. Desde o ano passado, o governo vem tentando
criar um novo programa de transferência de renda, mas vinha tendo dificuldades de encontrar
espaço no Orçamento. O ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou
a ventilar diferentes possibilidades de fontes para os recursos,
como a recriação da CPMF, o uso de parte dos recursos do Fundeb, fundo destinado à
educação básica, e o parcelamento do pagamento de precatórios.
As sugestões foram muito mal recebidas pelo
mercado e por especialistas e abandonadas naquele momento. Desta vez, a equipe econômica voltou a propor
o parcelamento do pagamento dos precatórios, que são dívidas assumidas pela União resultado
de processos judiciais com trânsito em julgado, ou seja, sem possibilidade de recurso. Além da MP do Auxílio Brasil, o governo
também enviou uma Proposta de Emenda à Constituição, uma PEC, em que propõe o parcelamento dos
precatórios. Esse tema é meio espinhoso, mas eu fiz uma
reportagem sobre isso recentemente – vamos deixar o link na descrição pra quem quiser
entender melhor. Bom, há algum tempo os especialistas em desigualdade
têm dito que o valor do benefício do Bolsa Família precisava ser reajustado pra que
ele de fato cumprisse sua missão, que é tirar as pessoas da pobreza. Especialmente com a pandemia, a pobreza cresceu
no país, tem mais gente passando fome – situação que aumentou inclusive a fila de espera pra
entrar no Bolsa Família. Por outro lado, aqueles que criticam a proposta
enxergam uma possível motivação eleitoral para o reajuste, especialmente diante da insistência
de Bolsonaro em dar um aumento maior do que, segundo a equipe econômica, o que de fato
caberia no bolso do governo federal. O presidente tem um histórico de críticas
ao programa, que foi criado lá em 2003, no primeiro ano do governo Lula. Em 2011, quando era deputado, ele defendeu
no plenário da Câmara sua extinção, quando chamou os beneficiários de ignorantes e eleitores
de cabresto do PT. Em 2017, já em campanha, disse que a ampliação
do programa seria demagogia e falou que quem quisesse algo nessa linha votasse em outro
candidato. Assim, existe uma expectativa sobre o valor
que vai ser fixado pro benefício. Na última semana, com as notícias de que
a ala política do governo costurava com o Centrão um valor próximo de R$ 400, o dólar
foi nas alturas. Dias depois, o presidente da Câmara, Arthur
Lira, interveio e colocou panos quentes. Afirmou que o Bolsa Família obedeceria as
limitações impostas pelo Orçamento e que o Congresso não estaria disposto a romper
o teto de gastos. Nós, claro, continuamos acompanhando esse
assunto. Obrigada e até a próxima!